Editorial - Varidade 4

Danielle Lemes. Creio porque é absurdo.
“Ganhamos um presente de Jacques Alain Miller”! Foi assim que Laureci Nunes deu notícias sobre sua conversa e como disse ela, sobre a “amável” autorização do autor para a publicação de seu artigo Prólogo a Guitrancourt, até então inédito em português. E foi este o marco zero da quarta edição da Varidade. O presente, recebido com muita alegria, embora datado de 1988, trata com uma atualidade ímpar a problemática da formação do analista. E acreditamos que uma versão do texto em português e numa revista de acesso tão democrático, por ser online e gratuita, pode ser um importante ponto de referência em meio a um campo cada vez mais em disputa pelas leis de mercado como temos testemunhado nas inúmeras e crescentes propostas em fazer da psicanálise mais um produto regulamentado, cheio de promessas e garantias impossíveis. Mais do que uma contribuição é também uma aposta e um tijolo a mais colocado na trincheira em defesa da psicanálise leiga, viva e cortante, tal como Freud propôs.
A partir deste ponto fomos compondo a Varidade 4 e quando chegamos nesse momento de finalização em que alcançamos uma visão panorâmica do todo da revista a sensação é muito prazerosa. Me remete à beleza singela de uma colcha de retalhos, em que cada um dos vários que compõem o cotidiano do ICPOL, traz seu retalho com formas, estampas, cores e nuances próprias. Do que se decanta das pesquisas, das conversações clínicas, das trocas, vai surgindo a composição de um desenho maior, coletivo e muito potente em fazer da psicanálise um desejo vivo e um recurso presente na vida da cidade.
Organizamos toda essa produção em três sessões. Na primeira, O que Orienta, trazemos o já referido texto de Miller e também a aula inaugural proferida por Gabriela Salomon (EOL/AMP), com o debate sobre a Psicanálise Aplicada à Urgência Subjetiva. O texto de Gabriela traz um registro da conversação em torno de um momento importante para o ICPOL com a consolidação do projeto de uma Clínica de Atendimento, inserida em uma comunidade de Florianópolis. Experiência em curso e já nos seus primeiros passos, da qual certamente teremos mais notícias no próximo número da Varidade.
A segunda sessão da Revista, chama-se Ensino e Pesquisa, e reúne doze artigos que dão testemunho do intenso e dedicado trabalho realizado pelos Núcleos de Pesquisa, Ateliês de Leitura, e pelos participantes do Curso de Psicanálise de Orientação Lacaniana do ICPOL e também pelos laboratórios do CIEN-SC. Os laboratórios foram convidados especialmente para a participação na Jornada de Núcleos, intitulada Discursos e Ressonâncias, realizada em outubro de 2024. Na ocasião, cada um dos textos foi comentado pela convidada Beatriz Udenio (EOL/AMP), e trazem não só os caminhos das pesquisas, mas uma riqueza de detalhes nas construções dos modos de intervenção e das possibilidades de operar com a psicanálise nas condições mais adversas. De forma semelhante, as elaborações produzidas pelos Ateliês de Leitura e publicados nesta edição, foram apresentados em novembro de 2024, no Colóquio Seminário dos Ateliês de Leitura do ICPOL, Pulsão e Presença do Analista, tendo como convidada e comentadora Maria do Carmo Dias Batista (AME - EBP/AMP).
Para fechar essa sessão publicamos os textos de duas participantes do Curso de Psicanálise e Orientação Lacaniana do ICPOL, trazendo um recorte-síntese de um momento importante na trajetória de formação de Waleria Nunes, com o texto O furo na língua e o objecto e de Cristiane Quimelli Snoeijer, Aproximações sobre os complexos de Édipo e de castração nas meninas.
Em alguns momentos do Curso (CPOL) fizemos convites especiais a colegas de outras localidades para que trouxessem algo da sua experiência de pesquisa e clínica, sobre algum tema específico trabalhado nos módulos. Trazemos aqui dois desses momentos, em forma de artigo, compondo a terceira sessão da Revista, denominada Intercâmbio, em que Guy Trobas (AME, ECF/AMP) esteve presencialmente conosco ministrando a aula A virada fundamental de Freud sobre o sintoma e o inconsciente. Uma preciosa pesquisa, com muitas referências inusitadas da clínica de Freud, numa leitura refinada sobre esse ponto de virada na clínica psicanalítica. Na mesma modalidade, tivemos a presença de Teresinha Meirelles do Prado (EBP/AMP), coincidindo com um momento de lançamento da versão em português do Seminário 14, de Lacan, sendo ela a responsável pela tradução da obra. Desde este lugar especial ela proferiu a aula A passagem do Seminário 14 ao 15: da Lógica ao Ato, uma via de abertura, que vocês podem conferir nesta publicação.
Fechamos essa edição com uma pequena homenagem a nossa querida Silvia Emília Espósito (in memorian), analista praticante, que ainda nos anos 80 trouxe para Florianópolis “a peste”, já na perspectiva da orientação lacaniana. E desde então, dedicou sua vida à construção da causa analítica, contribuindo na formação de várias gerações de analistas e desempenhando um papel importante na construção da psicanálise no sul do Brasil. Publicamos aqui uma das aulas ministradas por Silvia nessa época, final da década de 80, em que morava em São Paulo e vinha periodicamente até Florianópolis para transmitir a psicanálise a um pequeno grupo de interessados, que se reuniam no centro da cidade, no Palácio Cruz e Souza. Iniciativa modesta, mas que abriu muitas portas e que faz do seu legado uma presença em nosso cotidiano de trabalho no ICPOL e na EBP Seção Sul, instituições das quais ela foi membro fundadora, com participação sempre muito ativa, forte e decidida. Silvia Emilia Spósito, presente!
Cada artigo foi pensado numa composição com outro grande presente que recebemos: a arte de Danielle Lemes, de Florianópolis, que gentilmente nos cedeu as imagens do seu trabalho para transmitir aquilo que escapa à palavra, mas que a arte, sempre precursora e sempre convidando à escansão, nos apresenta como possibilidade. Aqui, como possibilidade de adentrar o universo do um que escreve, de uma forma muito própria ao um que lê, sente e interpreta. Um ponto que, numa perspectiva moebiana, pode permitir uma torção peculiar. Apostamos nessa composição multidimensional da experiência que a leitura com a arte pode permitir, e por isso, Danielle, nosso agradecimento especial!
Sobre os bastidores desta edição é importante dizer que cada texto, cada imagem, cada conversa, cada decisão, foi atravessada por muito desejo pela psicanálise e por uma transferência de trabalho que nos permitiu aproveitar de um modo prazeroso o percurso. Paula Lermen, Marcos Gorgatti e Laís Schmitz trabalharam intensamente e de um modo muito vibrante, na construção desta edição. Meu agradecimento especial a esta equipe, em nome da Diretoria do ICPOL, a qual também agradeço pela confiança e aposta em nosso trabalho.
Que a Varidade 4 possa trazer uma boa experiência de imersão e pesquisa. Boa leitura!
Adriana Rodrigues (EBP/AMP)
Coordenação editorial